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A terra gira sempre para o mesmo lado, mas nunca no mesmo sentido, nem da mesma forma, e por isso tudo o que nos acontece pode até parecer uma repetição de uma repetição, mas é ainda e sempre outra coisa, porque a vida é isto mesmo, nunca volta ao que foi, e nada regressa a nada. Deve ser por isso que o mundo gira sempre ao contrário dos ponteiros do relógio...

Nos últimos tempos tive encontros... com ela... e reencontros... com ele, que guardarei para sempre em silêncio, e em segredo, para que nada nem ninguém lhes possa tocar. Na vida vivemos momentos que pertencem a outra dimensão... a dimensão rara e perfeita que se sente em certos dias, em que nós somos mesmo nós, e que apesar disso, conseguimos estar em paz.

Antes... Olhava para ti, e via-me a mim, e tu olhavas para mim, e vias-te a ti. Só que isto foi há muito tempo... Agora... Olhei para ela e vi-nos a nós... a nós os três...

Fui sair com a ex-namorada do meu ex-namorado. Senti-me especialmente bonita. Ambas sabíamos que durante muito tempo fizemos uma triste figura, mas hoje foi ver quem parecia melhor. Ela é mais bonita do que eu, e mais nova também... na rua nunca passa despercebida. Lembro-me de ver fotografias dela, e de a invejar. Desde o tempo em que andava com ele (e ela também) sentia que havia qualquer coisa que nos ligava... e que não era só ele...


Enquanto esperei durante quinze minutos, bebi dois martinis, e quando ela chegou não conseguiu disfarçar o seu nervoso. Demos dois beijos, e percebi que o perfume que trazia assentava-lhe bem. "Desculpa o atraso" - disse ela

Eu sorri-lhe, e convidei-a a sentar-se na mesa que reservei, e onde jantei algumas vezes com ele. Não muitas, porque afinal ele também era namorado dela... eu é que não sabia!!! Já sentadas pedimos o vinho que nos iria assentar bem quando a garrafa fosse a meio...

Sabia que nos últimos tempos a relação deles tinha sido de muita raiva, e que nem na cama resultava. Falo nisto, porque sei que muitas vezes o sexo apazigua a raiva que há em nós, e pode tornar as noites memoráveis. Não era o caso deles, porque ele chegava junto a mim sempre àvido, e por isso nem espaço havia para discussões.

Ela estava corada, o vinho já tinha assente em nós... e pressenti que iríamos falar dele...
"Eu sempre achei que tu eras diferente de todas as outras mulheres" - disse eu
Ela não disse nada, continuou a beber, e deixou-me falar...
"Ele ia ter contigo, e eu sabia... dizia-me sempre que tinha assuntos para tratar..."
Enquanto falava fui recordando os últimos tempos da minha vida com muito menos dor, como se ao perceber a dor dela isso aliviasse a minha...
"Um dia, apanhei-o a ouvir música, que percebi que só podia vir de ti"
Ia atirando frases sem nexo, que há muito sufocavam dentro de mim...
"Já nem me apetecia sexo com ele... comecei a retrair-me"

As lágrimas dela tinham começado a cair, e eu percebi que podíamos chorar e rir das mesmas coisas, e que talvez por isso tenha valido a pena este encontro. Foi então que ela resolveu dizer alguma coisa...
"Ele foi a última pessoa que amei, e com quem me apeteceu viver a dois... seja lá o que isso for. Acabei por ter uma vida a três, que é coisa que não fez bem a nenhum de nós. Tu vivias na dor de o perder, eu na esperança de o ter, e ele vivia no limbo, um lugar onde ninguém quer ficar para sempre..."
Já de olhos retocados, saímos de restaurante a rir, mas a verdade é que se alguém se aproximasse de nós poderia cortar-se nos estilhaços dos nossos corações.

Quando cheguei a casa, tinha uma mensagem dele no telemóvel a dizer:
«Vi-te com ela a atravessar a rua. Sinto-me o homem mais triste do mundo»
Terá ela recebido a mesma mensagem?

Independentemente desta minha dúvida, esta mensagem foi o suficiente para me decidir a telefonar-lhe. Há muito tempo que não sabia nada dele, e que ele não ouvia falar de mim. Telefonei-lhe e combinamos encontrarmo-nos... reencontrarmo-nos... assim foi...

E acabei de chegar agora a casa, e no espelho do meu quarto vejo-me cansada. Estou com aquele ar de que gosto... de cara sonolenta, e com voz constipada...

Andava a irritar-me ter-lhe perdido o rasto, ele que foi uma grande paixão da minha vida, uma das pessoas a quem valeu a pena dizer "Amo-te", e por quem valeu a pena chorar quando seguimos vidas diferentes. Por isso, há muito tempo que eu queria um reencontro...

Esta noite, quando o vi chegar, de roupa escura, foi como se tivesse percebido que o tom do nosso encontro seria o mesmo... e foi... calmo, apaziguador, quase redentor... Houve em nós o brilhozinho de quem percorreu parte de uma vida em comum. Eu mais nervosa que ele... e ele mais emotivo que eu...

Ambos levamos presentes para este reencontro, que imagino não se repetirá nos próximos tempos. Eu dei-lhe um CD que sabia que ia gostar, e ele ofereceu-me um livro "útil", segundo disse... um dicionário a estrear, para eu não cometer erros... disse ele. A frase dele tinha o peso de quem sabia que quando tudo terminou, ainda poderia haver muito amor para viver.

Em nenhum momento do jantar lhe pedi desculpa, ou agarrei a mão como se lhe quisesse dizer "conta comigo", porque pessoas que se amaram muito, e nunca chegaram ao avesso do amor, precisam de dizer "conta comigo", ou "estou aqui sempre".

Lembrei-me de uma das últimas frases que me disse na derradeira conversa que tivemos: "Só desejo que encontres alguém que te faça feliz, já que eu não fui capaz. Só sabendo-te feliz conseguirei seguir o meu caminho, e tentar ser feliz também".
Só alguém que nos ama verdadeiramente encontra forças para dizer uma coisa destas, num momento destes.

Também me lembrei das noites de amor e paixão que tivemos, e perguntei-lhe pela família. Brindámos às nossas vidas, e ao futuro bom que um dia pensámos que seria nosso. Depois do vinho, do Whisky dele, e do meu licor para o lembrar doce, perguntei-lhe por fim: "Porque demoraste tanto tempo a vir jantar comigo?"
E ele a olhar para o copo, disse-me baixinho: "Porque ainda não é fácil"

Despedimo-nos com um abraço, daqueles que nos fazem perceber que ele ainda mantém o mesmo perfume, e que o meu ainda não mudou... Subi para casa sozinha... e chorei...

E aqui estou agora, sentada, a ver-me ao espelho. A culpa desapareceu, mas ficará para sempre o meu amor por ele.

As memórias servem para isto mesmo, uma pessoa mastiga-as e saboreia-as para que não fiquem amargas. Às vezes é preciso mergulhar no passado para saber saborear o presente.


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